quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Excerto: Setembro

«00h00
A tremer, com os dedos sem forças e entorpecidos, regressei a cambalear para a margem pedregosa, perto
da ponte, e deixei-me cair no chão.
Um véu turvo abateu-se sobre os meus olhos ao fitar o rio sombrio com uma sensação de impotência.
Estava em estado de choque. Perdera a minha irmã.
Perdera-a.
Na busca desesperada pela Gabbi, havia-me esquecido por completo dos sequestradores e dos meus amigos. Olhei para cima, para a ponte, à procura de sinais de movimento, mas não conseguia ver nada.
Era como se naquele momento eu fosse o único ser à face da terra, sentado, sozinho, nas margens de um rio bravio que acabara de me roubar a minha irmãzinha.
Voltei as atenções mais uma vez para a água.
De repente, algo chamou-me a atenção. Havia qualquer coisa presa nos ramos sombrios do outro lado
do rio. Estaria lá algo ou seria apenas a minha mente a pregar-me uma partida? A criar formas a partir do luar difuso e de bocados de madeira retorcidos? Esfreguei os olhos e esforcei a vista na tentativa de perscrutar a escuridão.
Invadiu-me uma vaga de esperança; tinha a certeza de que se tratava de uma silhueta humana! Meio submersa e a flutuar perto da margem oposta! Poderia ser a Gabbi, que fora levada pela corrente e se emaranhara na vegetação das margens do rio? Poderia ainda estar viva?
Voltei a mergulhar nas águas geladas e forcei os músculos latejantes das pernas a funcionarem, nadando diagonalmente à corrente, a tentar impedir que ela me arrastasse consigo.
À medida que me aproximava, fiquei convencido que se tratava da Gabbi. A cada segundo frenético que passava, a silhueta ia-se tornando cada vez mais familiar. Ela podia estar viva, repeti na minha cabeça. Ela podia estar viva.
A corrente parecia determinada em impedir-me de a alcançar. Estava a puxar -me com toda a força, mas fiz um esforço sobre-humano e segui em frente.
A água amainou, graças a uma zona abrigada da corrente agitada por uma ponta de terra que actuava como dique. Eu estava quase a chegar. Avancei a chapinhar por todos os lados e por fim consegui pôr-me de pé nas águas baixas.
Semicerrei os olhos e fitei a figura, estendendo os braços para ela. O que eu imaginara que se encontrava lá – a minha irmã – desapareceu repentinamente diante dos meus olhos. A sua imagem foi substituída por uma massa insignificante e sem vida.
Estaquei e gritei de frustração e de fúria, esmurrando as águas. A figura retorcida não passava de um plástico, a compor uma fi gura grotesca e medonha que, do outro lado do rio, parecera uma pessoa franzina.
Nada mais fora do que esperanças vãs. Era impossível ela ainda estar viva.
Voltei a subir tropegamente para a margem, demasiado exausto para praguejar… e demasiado devastado para chorar.»

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