segunda-feira, 21 de março de 2011

Excerto de «Fevereiro»

Cuidado com os spoilers, caso não tenha lido «Janeiro»!

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«Tínhamos voltado a parar e, tirando os grilos,estava tudo calmo e silencioso. Sentia que todo o meu corpo tremia. Devia ser alguma espécie de choque retardatário. Estávamos rodeados por casas suburbanas, onde eu tinha a certeza de que todas as famílias no seu interior já há muito que se tinham enfi ado na cama. Pensei na minha mãe, sem conseguir dormir na nossa casa, a subúrbios de distância, e na Gabbi ligada às máquinas, sozinha no hospital. A minha mãe quase perdera toda a família: primeiro o meu pai, depois a Gabbi, de certa forma, e agora eu. Queria tanto voltar a ter a minha vidinha antiga e desejava não ser este miúdo perseguido, em fuga, a viver numa espelunca abandonada, a tentar manter -me um passo à frente de… toda a gente.
– Eu oiço coisas sem saberem – afirmou a rapariga, interrompendo de súbito os meus pensamentos.
– Sei que tens algo que o Sligo quer.
Olhei pela longa rua abaixo.
– Sabes o que é? – perguntei. Seria óptimo se esta rapariga me desse algumas respostas a sério.
Ela abanou a cabeça, fazendo reluzir os brilhos no cabelo.
– Apenas que é gigantesco e que ele não vai parar diante de nada para o obter.
– Já reparei.
– Contudo, eu sabia que não sabias nada sobre isso – comentou, num tom prático. – Ter-lhe-ias dito se soubesses. Qualquer um o teria feito… para não morrer afogado em óleo.
Por fim, uma afirmação franca… com a qual podia concordar.
– Pareces saber tanto sobre mim. Acho um pouco injusto que nem sequer saiba o teu nome – observei, na esperança de que a conversa sincera continuasse.
Estava a ser cuidadoso, pois não a queria assustar. Estava em dívida para com ela, por ter desligado a bomba de óleo… e havia tantas perguntas que precisava de fazer. Não só sobre Sligo e o que ele sabia sobre o meu pai, mas sobre ela. Tinha-me ajudado e salvado a minha vida, mas o que estava a fazer com Sligo? Não a conseguia perceber. Era completamente diferente das miúdas que eu conhecia da escola. No entanto, embora estranhíssima, era companhia e sabia bem ter alguém com quem falar… alguém que não me estava a tentar matar.
– Digo-te o meu nome quando lá chegarmos – replicou.
– Chegarmos onde? Pensei que só estávamos a fugir.
– Agora és tu quem me vai ajudar.
– Ai é? Bastava teres pedido a minha ajuda – sugeri.
– Ninguém gosta de ser mandado, especialmente por uma miúda sem nome.
Com uma mão na anca, ela fixou em mim um olhar intenso.
– Está bem. O meu nome é Winter – disse. – Winter Frey. Contente?
– Belo nome – respondi.
– O belo combina comigo – retorquiu.
Estava a tentar lembrar-me de uma resposta espirituosa quando um carro virou para uma rua à nossa frente, a aproximadamente um quarteirão de distância. Não esperei para ver se era o Subaru negro; simplesmente, agarrei na mão da Winter e puxei-a para fora do passeio e para um caminho de acesso cheio de arbustos. Soltei-a, não sem antes reparar numa tatuagem diminuta de uma ave no interior do pulso esquerdo. Ela afastou a mão rapidamente, cruzando os braços num gesto protector, e baixámo-nos ambos, comprimidos um contra o outro, a deitar espreitadelas enquanto o carro passava lentamente por nós.
– O carro do Sligo – sibilou.
Aguardámos, escondidos na escuridão, até termos a certeza de que o carro tinha desaparecido. Winter olhou em redor.
– Vamos.»

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